De luto mas sem luto


A propósito do dia dos finados, lembrei-me de um episódio que vivi na primeira pessoa, quando tinha 15 anos.

Um dia a seguir às aulas – cerca de duas semanas após a morte da minha mãe – fui à escola da minha irmã buscar as chaves de casa porque tinha esquecido as minhas. Na portaria da escola, pedi, gentilmente, à funcionária que fosse chamar a minha irmã que se encontrava em sala. Nos minutos de espera, enquanto conversava com a minha amiga J., a referida funcionária dirige-se a mim, nestes termos:

"- Ouve lá, mas tu não sentes a morte da tua mãe? Andas vestida de vermelho!"

Aquela frase caiu-me como um murro seco no estômago, daqueles de ficar sem ar. Só pensava que o andar vestida de vermelho poderia ser equivalente a um crime hediondo, do tipo dos que são retratados nos filmes de Hitchcock. Acho que naquele momento fiquei em choque, num estado meio alucinado, pois não abri a boca enquanto a J., esbaforida, tentava chamar à razão aquela mulher que nem razão nem muito menos sensibilidade aparentava.

A tal roupa da ‘cor – que – parece – mal – vestir – quando – morre – alguém’ era, afinal de contas, bordô (como se isso interessasse!) e foi a última coisa que a minha mãe me ofereceu. Foi-me dada horas antes de ela falecer. Horas antes de imaginarmos que o mundo seria virado ao contrário. Horas antes da perda (dessa nem sequer vou falar), e de que para além dela, ter começado um sem número de julgamentos e requisitos de comportamento.

Sente mais a ausência quem veste preto ou quem fica fechado em casa?
Quem vai ao cemitério mais vezes e enfeita melhor a campa?
Parece mal sair com amigos, divertir-nos? Viver…?


Estou de luto, mas sem luto. Porque a dor é minha e será para sempre, independente da cor da blusa. Continuar a viver também é fazer o luto. Porque a vida segue e tenho o direito (e até a obrigação) de ser feliz. Porque não começarmos a pensar um bocadinho como os mexicanos (e outras culturas) que tratam o luto e os mortos de frente, sorrindo para eles? Segundo a tradição mexicana, nos primeiros dias de novembro, os mortos têm a permissão divina para visitar parentes e amigos, os quais tentam homenageá-los, enfeitando as suas casas com flores e cozinhando os pratos favoritos dos que já partiram.

Vida com cor! Porque o que vai cá dentro não tem de obedecer a uma paleta de cores...


________________________________________________________________
Texto en Español

Sobre el día de los muertos, me acorde de un episodio que viví en primera persona, cuando tenía 15 años.
Un día después de las clases - cerca de dos semanas después de la muerte de mi madre - fui a la escuela de mi hermana buscar las llaves de la casa porque me había olvidado de las mías. En la puerta de la escuela, le pedi a la portera que llame a mi hermana que estaba en clase. En los minutos de espera, mientras hablaba con mi amiga J., la portera  se dirigió a mí en estos términos:
- Escuchame una cosa, no sentis la muerte de tu madre? estas vestida de rojo!
Esa frase me dejó como un puñetazo en el estómago seco, los de quedarse sin aire. Sólo pensaba que vestir de rojo podría ser equivalente a un crimen atroz, del tipo que se retrata en las películas de Hitchcock. Creo que en ese momento yo estaba en shock, en un estado medio loco porque yo no abrí la boca mientras mi amiga J., sin aliento,  trato de llamar a la razón a esta mujer que ni razón mucho menos sensibilidad tenía.

Esa ropa de colores - que - parece - el mal - vestir- cuando - muere - alguien era, al final de todo, bordo (como si eso importara!) y fue la última cosa que mi madre me dió. Me la dió horas antes de morir. Horas antes de imaginar que el mundo se volveria al revés. Horas antes de la pérdida (de eso ni siquiera hablo), y que más allá, han iniciado una serie de juicios y los requisitos de comportamiento.

La ausencia se siente más quien se viste de negro o quien se encierra en casa?
¿Quién va al cementerio a menudo y adorna la mejor tumba?
Parece mal salir con los amigos, pasar un buen rato?
Vivir...?

Estoy de duelo, pero sin vestir negro. El dolor es mío y será para siempre, independiente del color de la camisa. Seguir viviendo también es hacer el duelo. Porque la vida sigue y tengo el derecho (y tambien  la obligación) de ser feliz.
¿Por qué no empezar a pensar un poco como los mexicanos (y otros pueblos) que tratan la muerte y los muertos, de frente,  sonriendo para ellos? Según la tradición mexicana, a principios de noviembre, los muertos tienen permiso divino para visitar a familiares y amigos, que tratan de honrarlos, que adornan sus casas con flores y cocinan los platos favoritos de los que se han ido.

La vida con color! Porque lo que sucede en el interior de uno no tiene que ajustarse a una rueda de color ...

Comentários

  1. Concordo plenamente! Escolheste a cor do amor vestís-te com a camisola que mais te protegia nesse dia, a cor, a camisola que mais te davam calor naquele momento tão desconsolador.. Eu... Também adoro o BORDÔ! As cores da vida do luto o sem luto não se escolhem.. Sentem-se!!!! Parabéns por mais um maravilhoso texto!!

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares