Matar o bicho da saudade

Saudade é uma palavra tipicamente portuguesa que alberga, em si mesma, muito mais do que sete letras. Torna-se difícil de explicar o que representa porque é do domínio da emoção e reporta ao passado, algo que já passou, mas que gostaríamos de voltar a viver. 

Não sei em que altura da vida começamos a perceber o que é, de facto, a saudade. Quando somos crianças, temos mais vontade de ir para o futuro porque ele reserva infinitas possibilidades e o relógio constitui um objeto quase místico: – «quanto falta para o autocarro, pai? – são 10h20, só passaram 3 minutos desde a última vez que perguntaste!».  

Lembro-me que andava na 1ª ou 2ª classe quando, pela primeira vez, me dei conta de que as pessoas não estão nesta vida para sempre, que os pais envelhecem e os filhos crescem e vão para longe – vi isso numa novela qualquer e devo ter ficado a matutar nessa coisa das saudades. Matutei por pouco tempo (essa bênção da infância!) e cheguei à conclusão que isso, a mim, não me aconteceria porque nem os meus pais envelheceriam, nem morreriam, nem eu, muito menos, viveria longe deles (cruzes, credo!).



O mundo foi-me mostrando, duramente, que eu estava enganada e que as pessoas (pais, irmãos, filhos, conjugues, amigos) vão para longe de nós – morrem, viajam, emigram ou, simplesmente, somem da nossa vida. Nos últimos anos, a saudade, para mim, assumiu um outro significado. Tenho saudades, o tempo todo, das minhas pessoas que estão longe, pois vivem a mais de um oceano de distância. Quando alguém dos nossos emigra, temos de reaprender a viver, manobrar a saudade com skypes e e-mails, fotografias e vídeos. Gerir as nossas emoções e inseguranças de outra forma, porque chorar ao telefone por uma coisa pequena equivale a um desastre natural na escala da vida «presencial». De repente, tudo se torna «à distância de um clique» – e ainda bem que assim é, porque antigamente a comunicação dos emigrantes era feita através de cartas que demoravam um mês a chegar, um telefonema em ocasião do natal ou em casos de desgraça. Hoje, as novas tecnologias ajudam os que ficam a pensar que eles (os que vão) estão já ali … ao virar de um simples ecrã de computador. Dá a sensação que é quase a mesma coisa do que estarmos todos juntos à volta da lareira, a conversar. Mas não é.




Nestes cinco anos tive oportunidade de viajar e ver os meus “mais que tudo” num novo contexto, num outro lar, nas suas novas rotinas. E é simplesmente maravilhoso aquele ínfimo instante em que a nossa alma sente que vamos matar o bicho – os passos à saída do aeroporto são acelerados e o coração bate mais forte quando vemos aqueles braços no ar, abertos para nos receber. Lá estão eles: voltámos a estar juntos! É tão bom matar o bicho que a nossa alma se esquece – momentaneamente – das lágrimas, do aperto no peito, da vontade de abraçar quando não se pode, ou, pior ainda, da sensação de não se saber quando voltaremos a fazê-lo.


É-se grato – uma enorme gratidão invade o nosso corpo – pela vida nos dar a oportunidade de estarmos juntos, mais uma vez. A saudade evapora e é somente o presente que importa, o «aqui e agora» que dará lugar, dias depois, a uma nova saudade. E o ciclo saudade – mata bicho prossegue. Tal como a vida.






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Texto en Español
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