Sacos de pancada


[Conversámos baixinho, naquele salão de chá rusticamente decorado que criava o clima próprio das confidências – é mais adequado confidenciar algo, mesmo que seja o mais banal dos assuntos, bebendo, delicadamente, um chá das cinco, do que no meio da zaragata consumista de um shopping,  devorando um hamburguer com batatas fritas.
O seu olhar – o qual conheço há séculos - vestia a tristeza de quem está resignado a um rumo não desejado da vida. Falámos de como nos podemos transformar em sacos de pancada – porque todos nós, em determinados momentos, assumimos o dá e leva. Ora personificando o saco de pancada de alguém; ora, cabendo-nos a nós o papel do agressor, noutras ocasiões.]


Batemos no saco que está mais à mão. A luva de boxe está gasta de tantos combates e precisamos de projectar a força, um pouco para o lado. Habitualmente, os sacos de pancada são os objetos que nos estão mais próximos, emocionalmente falando. Estão ali e nós nem queremos saber: batemos! Porque temos de expulsar a nossa fúria. Está cá tudo dentro a marinar em sal e azeite e tem de sair, caso contrário cria verdete. Sempre se ouviu que não faz bem nenhum, ficar com coisas guardadas dentro do peito. Dá nó… e nós de marinheiro dentro da garganta dão direito a mau estar. Quando damos por ela, já está…

De repente, vamos parar a um lugar que não gostamos de nos ver pousar. Trata-se de um instante de raiva, no qual o fio condutor cega o equilíbrio. E aí, a mente dá-nos a volta com uma pintarola…lança o isco e nós nem pensamos duas vezes: descarregamos. Sem dar por isso, ferimos quem mais amamos porque o nosso coração está partido. Quem paga o pato são os seres queridos, pois somente com eles destapamos a máscara e baixamos as defesas. É neles que projectamos, muitas vezes, a frustração que sentimos em relação a nós próprios, ou a mágoa dirigida a outros, mais distantes.

Depois daquele momento explosivo, o caos impera… cai a ficha e percebemos a injustiça. O mal está feito. O que estará o saco de pancada a sentir, agora?


[No final da conversa, e sem chá no bule, as lágrimas espreitaram. Tinha sido ela, o saco de pancada desta vez – mais uma vez – e o seu coração estava despedaçado. Não conseguia fugir da emoção, por mais que tentasse entender o outro lado. Resignadamente, pedimos mais um chá verde, ao som de Tom Jobim:
«A gente vai levando…
Mesmo com o nada feito,
Com a sala escura
Com um nó no peito,
Com a cara dura
Não tem mais jeito.
A gente vai levando...]

___________________________________________________________________
Texto en Español
Saco de boxeo

[Charlamos bajito, en ese salon de té rusticamente decorado para crear el clima apropriado a las confidencias - es más fácil confiar algo, por más banal que sea el asunto, tomando, delicadamente, un té, que en el médio de la confusión consumista del shopping, devorando una hamburguesa com papas fritas.

Su mirada – yo la conosco hace siglos - vestia una tristeza de quien está resignado a un rumbo no deseado de la vida. Hablamos de como nos podemos transformar en sacos de boxeo. Pues bien, unas veces, personificando el saco boxeo de alguien; otras veces, teniendo el papel de agresor.]

Le pegamos al saco de boxeo que esta a mano. El guante se gastó con tantos combates y es necessário mover la fuerza, un poco para el lado. En general, los sacos de boxeo son los objetos que están más cerca, emocionalmente hablando. Estan ahi y no nos importa: les pegamos! Porque tenemos de expulsar nuestra fúria. Tenemos todo adentro, mesclado con sal y aceite y lo tenemos de sacar afuera, caso contrario, queda podrido. No hay nada peor que guardar todo adentro del pecho, hace daño..nudos en la garganta dan derecho a mal estar. Cuando nos damos cuenta, ya está...

De repente, vamos a parar a un lugar que no nos gusta. Se trata de un instante de rabia, en que el hilo ciega el equilibro. Y ahi, la miente nos da la vuelta .... sin querer, herimos quien más amamos porque nuestro corazón esta en pedazos. Quien paga por el pato son los seres queridos, los únicos a quien les bajamos la mascarilla y las defensas. Es en ellos que  proyectamos, muchas veces, la frustración que sentimos por uno mismo, o una herida dirigida a otros, mas distantes.

Luego del momento explosivo, el caos impera ... nos damos cuenta de la injusticia. Pero el mal ya esta hecho. ¿Qué estará el saco de boxeo  sintiendo, ahora?


[En el final de la charla, y sin té en la taza, las lágrimas aparecieron. Habia sido ella el saco de boxeo, desta vez - más una vez - y su corazón estaba despedaçado. No logra escapar de la emoción por más que intente entender el outro lado. Resignadamente, pidimos outro té verde, escuchando Tom Jobim:


“A gente vai levando….” (la vamos llevando…)

Comentários

Mensagens populares