Lixo extraordinário

Seria impossível não me emocionar com o documentário Lixo Extraordinário (2010, direção de Lucy Walker). Embora seja uma pessoa de lágrima fácil, neste caso, a emoção ficou retida durante a hora e meia de duração da fita – só no final, os olhos humedeceram. As minhas lágrimas - de alguém confortavelmente sentado no sofá da sua sala – resumem-se ao ridículo perante o confronto com a crueza da realidade vivida pelas pessoas que protagonizam o filme. Senti-me eu, pequenina e, por vezes, mesquinha, quando me queixo dos meus problemas. Há pessoas que se revelam autênticos heróis pelo simples facto de continuarem a sobreviver enquanto as cartas do destino ditam a sua infortuna, dia após dia. E, no meio de tanto desespero, conseguem sorrir como ninguém.


Este documentário fez-me pensar em muitas coisas. Há tanto para fazer, tanto para mudar … Vivemos num mundo em que é mais fácil usarmos umas talas e não olharmos para o lado. Já dizia o velho ditado “Cada um tem o que merece!” e parece que o mundo inteiro se convenceu disso para tapar o sol com a peneira. Há dias, alguém que eu conheço confessava que não gosta desta expressão, o que me fez refletir, também. Talvez se trate de mais um julgamento sem critério, uma meritocracia calculada com medidas desajustadas. O mundo é redondo e nem sempre se pinta a preto ou branco, a maior parte das vezes, aparenta um cinza difícil de definir. 

Hoje em dia são acentuadas as diferenças, não numa perspectiva de valorização, mas como uma forma de exclusão social. Há pessoas que se julgam superiores porque usufruem de um nível de vida elevado - a condição material assume um patamar de excelência e fornece trunfos. Deixamos de olhar o ser humano como uma vida, independente da sua origem ou estatuto e passamos a classificar, hierarquicamente, os membros de uma comunidade. Em determinados locais do planeta, esse aspeto se revela mais evidente, havendo uma distinção entre cidadãos de primeira e de segunda e, ainda, uma categoria de não cidadãos - os tais que quase não existem porque estão à margem do que seria esperado.

No documentário “Lixo extraordinário”, o artista plástico Vic Muniz sai do conforto do seu estúdio em Nova Iorque e arregaça as mangas para mudar o mundo de algumas pessoas - e consegue. De origens humildes, não perdeu a simplicidade depois de se tornar um dos artistas brasileiros com mais sucesso, internacionalmente. Expressa, sem pretensões, a sua generosidade na ligação que estabeleceu com os trabalhadores do maior aterro do mundo, tratando-os, de igual para igual. O resultado é surpreendente, quer do ponto de vista artístico – murais elaborados a partir de retratos dos “catadores” e recorrendo a materiais do lixo – quer da perspetiva sociológica.


A não perder! 


Nota: O documentário completo está disponível nesta ligação.
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Texto en Español

Basura extraordinaria

Sería imposible no emocionarme con el documental “Basura Extraordinaria” (2010, dirección de Lucy Walker). Aunque yo sea una persona de lágrima fácil, en este caso, la emoción quedó retenida durante la hora y media de duración de la cinta - sólo al final, los ojos se humedecieron. Mis lágrimas - de alguien cómodamente sentado en el sofá de su sala - se resumen al ridículo ante la confrontación con la crudeza de la realidad vivida por las personas que protagonizan la película. Me sentía yo, chiquita y, a veces, mezquina, cuando me quejo de mis problemas. Hay personas que se revelan auténticos héroes por el simple hecho de que continúan sobreviviendo mientras las cartas del destino dictan su infortuna, día tras día. Y, en medio de tanta desesperación, consiguen sonreír como nadie.

Este documental me hizo pensar en muchas cosas. Hay tanto para hacer, tanto para cambiar ... Vivimos en un mundo en que es más fácil no mirar hacia el lado. Ya decía el viejo dicho "¡Cada uno tiene lo que merece!" Y parece que el mundo entero se convenció de ello para tapar la verdad. Hace días, alguien que conozco confesaba que no le gusta esta expresión, lo que me hizo reflexionar, también. Tal vez se trate de otro juicio sin criterio, una meritocracia calculada con medidas desajustadas. El mundo es redondo y ni siempre se pinta en blanco o negro, la mayor parte de las veces, aparenta un gris difícil de definir.

Hoy en día se acentúan las diferencias, no desde una perspectiva de valorización, sino como una forma de exclusión social. Hay personas que se juzgan superiores porque disfrutan de un nivel de vida elevado - la condición material asume un nivel de excelencia y proporciona ventajas. Dejamos de mirar al ser humano como una vida, independientemente de su origen o estatuto y pasamos a clasificar jerárquicamente a los miembros de una comunidad. En determinados lugares del planeta, este aspecto es más evidente, habiendo una distinción entre ciudadanos de primera y segunda y, aún, una categoría de los no ciudadanos, los que casi no existen porque están al margen de lo que se esperaba.

En el documental "Basura extraordinaria", el artista plástico Vic Muniz sale de la comodidad de su estudio en Nueva York y arremeje las mangas para cambiar el mundo de algunas personas - y logra su hecho. De orígenes humildes, no perdió la simplicidad después de convertirse en uno de los artistas brasileños con más éxito, internacionalmente. Expresa, sin pretensiones, su generosidad en la conexión que estableció con los trabajadores de la mayor vertedero del mundo, tratándolos, de igual a igual. El resultado es sorprendente, tanto desde el punto de vista artístico - murales elaborados a partir de retratos de los "recolectores" y recurriendo a materiales de la basura - o de la perspectiva sociológica.
¡Muy recomendable!





Nota: El documental completo esta disponible en esta pagina: https://www.youtube.com/watch?v=BBAQ9qzXHUA&t=490s 

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