A morte está ali, ao virar da esquina. Tal como a vida.

Há muito tempo que ela não tem aquele pesadelo que se tinha tornado recorrente durante longos anos da sua existência. Aterrador era acordar após o limiar inconsciente que, embora com panos de fundo distintos, se repetia na sua essência. Esses sonhos esquisitos começaram pouco depois da morte da sua mãe, de tal modo de que nos primeiros dias do acontecimento, não conseguia dormir sozinha - ficavam os 3 juntinhos, ela, o seu pai e irmã, no mesmo quarto, como se aquele canto da casa representasse um búnquer a salvo de todo o mal. Assim tornava-se mais fácil adormecer, mas havia momentos em que o seu coração despertava acelerado, aos gritos por dentro e as lágrimas escorregavam pela face, sem qualquer controlo. Depois disso, afigurava-se um suplício voltar a cair no sono, pois era desmedido o receio de regressar ao dito pesadelo. 



Por muitos anos não compreendeu a angústia que aparecia em modo de sonífero em algumas noites da sua vida. Tentava explicar aos seus familiares e amigos, porém a tarefa de transmitir o teor do sonho resultava infrutífera, a maior parte das vezes; parecia, de certo modo, uma personagem de um filme, das que saltitam entre dimensões, ao estilo do Matrix. A complexidade do pesadelo não era o conteúdo em si, mas a sensação que descia sobre o seu corpo e não largava a sua mente, permanecendo na sua consciência durante as horas do dia. Concentravam-se, dentro do seu peito, doses elevadas de medo - algo que a perseguia para todo o lado, percorrendo caminhos de terra, de ar ou de água. Era manifestamente impossível esconder-se da entidade que corria atrás dela. O pior de tudo é que atuava, sempre, da mesma forma nos episódios deste tipo de sonho: fugia do que a perseguia, sem nunca olhar para trás e confrontar-se com o que estaria ali. Ela tinha medo de algo que não conhecia e era fraca ao ponto de não querer descobrir. A maior parte das ocasiões, percebia que estava a dormir e fazia um esforço para sair do enredo do sonho. Contudo, era como se tentasse gritar e não saísse um só ruído das suas cordas vocais – a sensação de impotência no seu apogeu. 

Autoria da imagem: Adriana Oliveira (Mundo Flo)

A vida foi seguindo. Os dias, as semanas, os meses e os anos foram passando. De uma jovem adolescente passou a uma mulher adulta, por vezes assaltada pelo pesadelo, cada vez em menor frequência e com menos intensidade. Conseguiu, aos poucos, ir lambendo as feridas que deixam as perdas e, pelos vistos, no seu inconsciente, as coisas também foram acalmando. Superadas as tempestades fortes, entendeu, finalmente, o significado do tal pesadelo: a entidade que corria atrás dela era a Morte – o poder que tem sobre o ser humano e o rasto que deixa quando nos leva quem amamos. 

Após mais de duas décadas do falecimento da sua mãe, a saudade e o vazio permanecem, pois são tantas as aventuras que gostaria de ter partilhado com ela. Porém, o seu coração serenou e aceitou que a morte está ali, ao virar da esquina. Tal como a vida. E há que vivê-la, sem medo.


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Texto en Español


Hace mucho tiempo que ella no tiene esa pesadilla que se había vuelto recurrente durante largos años de su existencia. Era aterrador despertar tras el umbral inconsciente que, aunque con paños de fondo distintos, se repetía en su esencia. Estos sueños raros comenzaron poco después de la muerte de su madre, de tal modo que en los primeros días del acontecimiento, no podía dormir sola - quedaban los 3 juntinhos, ella, su papá y hermana, en el mismo cuarto, como si ese canto de la la casa representaba un búnker a salvo de todo el mal. Así se hacía más fácil dormirse, pero había momentos en que su corazón despertaba acelerado, a los gritos por dentro y las lágrimas resbalaban por la cara, sin ningún control. Después de eso, parecía un suplicio volver a caer en el sueño, pues era desmedido el temor de regresar a dicha pesadilla. 


Por muchos años no comprendió la angustia que aparecía en modo de somnífero en algunas noches de su vida. Intentaba explicar a sus familiares y amigos, pero la tarea de transmitir el contenido del sueño resultaba infructuosa, la mayor parte de las veces; parecía, en cierto modo, un personaje de una película, de las que salta entre dimensiones, al estilo de Matrix. La complejidad de la pesadilla no era el contenido en sí, sino la sensación que descendía sobre su cuerpo y no dejaba su mente, permaneciendo en su conciencia durante las horas del día. Se concentraban, dentro de su pecho, altas dosis de miedo, algo que la perseguía por todas partes, recorriendo caminos de tierra, de aire o de agua. Era manifiestamente imposible ocultarse de la entidad que corría detrás de ella. Lo peor de todo es que ella actuaba, siempre, de la misma forma en los episodios de este tipo de sueño: huía de lo que la perseguía, sin nunca mirar hacia atrás y confrontarse con lo que realmente estaría allí. Ella tenía miedo de algo que no conocía y era débil al punto de no querer descubrir. La mayor parte de las ocasiones, ella percibía que estaba durmiendo y hacía un esfuerzo por salir de la trama del sueño. Sin embargo, era como si intente gritar y no saliera un solo ruido de sus cuerdas vocales - la sensación de impotencia en su apogeo. 

La vida siguió. Los días, las semanas, los meses y los años fueron pasando. De una joven adolescente pasó a una mujer adulta, a veces asaltada por la pesadilla, cada vez en menor frecuencia y con menos intensidad. Se logró, poco a poco, ir lamiendo las heridas que dejan las pérdidas y, por lo visto, en su inconsciente, las cosas también fueron calmando. Pasadas las tempestades fuertes, entendió, finalmente, el significado de tal pesadilla: la entidad que corría detrás de ella era la Muerte - el poder que tiene sobre el ser humano y el rastro que deja cuando nos lleva quien amamos. 

Después de más de dos décadas del fallecimiento de su mamá, la nostalgia y el vacío permanecen, pues son tantas las aventuras que quisiera haber compartido con ella. Pero su corazón se calló y aceptó que la muerte está allí, a la vuelta de la esquina. Tal como la vida. Y hay que vivirla, sin miedo.

Comentários

  1. Sabes quanto me alegro por ti por nos ao sentir estas palavras tao vividas na alma mas que con as decadas podemos compreender de uma maneira brutal que a vida segue con ela e sempre com ela ao nosso lado..Hoje es uma mulher que pulo sufrimiento inesquecivel mas que pudeste revertir esse sufrimento em belas decisoes e pura vida! Adoro-te minha irma<3 juntas sempre aqui no fim do mundo ou ai donde tudo comecou! A esquina e sempre o comeco de uma nova etapa...

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