Aquelas duas


Passo por ali, todos os dias. Ao longo do tempo, fui reparando nos transeuntes habituais do meu percurso que acabariam por se tornar personagens do quadro de rotinas, nos instantes em que o semáforo está vermelho e eu aproveito para vislumbrar a paisagem. 

Em todas as jornadas, avisto aquelas duas, no sentido oposto ao meu. Elas caminham, lado a lado, faça chuva ou faça sol. Até me servem de relógio, pois se saio de casa uns minutos mais tarde, já não as apanho pela frente. Como gosto de criar histórias, acabei por desenhar, mentalmente, um enredo em que elas são as protagonistas. 



Imagino-as, assim, como mãe e filha ou avó e neta. A rapariguinha deve andar na escola,  nos últimos anos do liceu ou nos primeiros anos da faculdade. Talvez já trabalhe e seja essa a hora de picar o ponto. A mãe/avó acompanha-a todos os dias, dá-me a ideia de que é uma pessoa com uma idade avançada, possivelmente reformada. A mulher mais velha apresenta-se, assim, com uma indumentária casual, sapatilhas, sem mala ou carteira, enquanto a menina anda de mochila às costas como quem vai para as aulas. 

É tão bonito ver aquelas duas no percurso diário. Atualmente já não se vê esse fenómeno com frequência, as pessoas costumavam acompanhar-se umas às outras a pé - se fossemos a conversar, nem dávamos por ela! Partilhar a vida, os sonhos e as angústias - uma verdadeira meditação em andamento. Parece que as palavras se soltam ao sabor do vento e o ar vai purificando os pensamentos que tantas vezes se tornam tóxicos e nos asfixiam. 

Do interior do meu veículo, a caminho para mais um dia de trabalho, gosto de absorver o que vai acontecendo lá fora para me tornar mais ligada ao mundo. Poderá ser um pouco de voyeurismo? Talvez, mas não me critico por isso, pois, nessa ação, vou eu, também, acompanhada pelas personagens que fazem parte do trajeto – é a veia de escritora a latejar. Na minha história, aprecio a ideia de que aquelas duas sejam cúmplices e companheiras de vida.


"Before you learn the tender gravity of kindness
you must travel where the Indian in a white poncho 
lies dead by the side of the road.
You must see how this could be you,
how he too was someone
who journeyed through the night wiht plans
and the simple breath that kept him alive."
(Naomi Shihab Nye)


______________________________________________________________
Texto en Español




Esas dos



Paso por allí todos los días. A lo largo del tiempo, me fui fijando en los transeúntes habituales de mi recorrido que acabarían por convertirse en personajes del cuadro de rutinas, en los momentos en que el semáforo está rojo y yo aprovecho para vislumbrar el paisaje. 

En todas las jornadas, veo esas dos, en un sentido opuesto al mío. Ellas caminan, lado a lado, en días de lluvia o sol. Hasta me sirven de reloj, pues si salgo de casa unos minutos más tarde, ya no las veo. Como me gusta mucho crear historias, acabo por dibujar, mentalmente, una trama por la cual son protagonistas. 

Me imagino, así, como madre e hija o abuela y nieta. La niña debe estudiar, tal vez los últimos años del secundario o los primeros años de la facultad. A lo mejor ya trabaje y sea esa la hora de entrada. La madre / la abuela la acompaña todos los días, me da la idea de que es una persona con una edad avanzada, posiblemente jubilada. La madre / abuela se presenta, diariamente, con una indumentaria casual, zapatillas, sin maleta o cartera, mientras que la chica anda con la mochila a la espalda como quien va a las clases. 

Es tan hermoso ver madre / abuela y hija / nieta en aquel recorrido diario. Actualmente ya no se ve ese fenómeno como antes, en que las personas solían acompañarse unas a otras caminando – cuando vamos charlando ni te das cuenta! Compartir la vida, los sueños y las angustias - una verdadera meditación en marcha. Parece que las palabras se sueltan al gusto del viento y el aire va purificando nuestros pensamientos que tantas veces se vuelven tóxicos y nos asfixian. 


Desde el interior de mi vehículo, en camino a otro día de trabajo, me gusta absorber lo que va pasando afuera para estar más conectada con el mundo. ¿Podría ser un poco de chusmeo? Tal vez, pero no me critico por eso, pues, en esa acción, voy yo, también, acompañada por los personajes que forman parte del trayecto - es mi vena de escritora. En mi historia, aprecio la idea de que esas dos sean cómplices y compañeras de vida.


"Before you learn the tender gravity of kindness

you must travel where the Indian in a white poncho 
lies dead by the side of the road.
You must see how this could be you,
how he too was someone
who journeyed through the night wiht plans
and the simple breath that kept him alive."

(Naomi Shihab Nye) 





Comentários

Mensagens populares