Temos de perdoar os nossos mortos...

– Temos de perdoar os nossos mortos. – eu disse isto?! Ufa!


Há frases que demoram anos a serem ditas – o longo processo de lamber as feridas – porque, ao que parece, existem sílabas que custam soletrar e palavras que eclodem emoções indecifráveis. As tais frases «difíceis» realizam uma travessia do deserto em busca de liberdade e, chegam à boca, amiúde, escamoteadas. Saem aos bocadinhos e envoltas em lágrimas, suas fiéis companheiras de jornada.

Quando alguém próximo morre, surge, de imediato, uma tentativa colectiva de amenizar a dor dos que ficam. Essa tentativa passa por vários procedimentos:

… um evitamento do tema do luto «não sabia o que dizer, por isso não toquei no assunto…»;
… um eufemismo das palavras evocadas… “ele partiu/ já não está entre nós”» porque, na verdade, nenhum dos nossos morre, isso até pareceria mal! Morrer é demasiado cru, ao passo que partir possui um tom mais lírico: “vai desta para melhor!”;
… uma exaltação das qualidades da pessoa morta «Ai, era tão boa pessoa!»
… uma amnésia quase instantânea dos defeitos da pessoa «tinha uma personalidade forte».

O morto vira santo, vai diretamente para o altar dos vivos – dos íntimos, dos amigos, dos conhecidos, dos conhecidos dos conhecidos – e todos fazem vénia. Com a proliferação das redes sociais, isto tornou-se mais evidente: alguém público bate as botas e o facebook é inundado de RIPs, muitas vezes, sem se saber, ao certo, quem foi aquele ser humano – fica bem pôr um like à criatura que nos deixou!

A humanidade progrediu tanto… no entanto, no que toca ao luto, permanece igual. Nem falo do que está para além da vida, mas do confronto real com o de mais seguro temos, desde que nascemos: a morte. Não se fala do que ficou entalado, muito menos mal da pessoa que sucumbiu porque «paz à sua alma» – não vão as nossas palavras duras, incomodar o seu descanso eterno. E a sua vida – tendo ela durado, muito ou pouco, tendo sido, boa ou má – fica reduzida a uma contemplação dos finados. «Já foram e estão lá para nos proteger!» – independente do que fizeram ou não fizeram, em vida.

Estando do lado de lá, não se apaga o seu rastro, por cá. Ele foi, a saudade ficou. Mas a saudade dos que amamos diz respeito a alguém completo, não aos bocados. Com mau feitio, defeitos, coisas mal resolvidas ou mau acordar. Com manias, momentos de impaciência e de desacordo. Não deixo de amar o meu morto, só porque digo em voz alta que ele errou comigo, ou que não procedeu bem em tal situação. Não se trata de enaltecer o lado negativo das coisas – até porque acredito que o positivo das pessoas é que deve vingar. Não se trata de desrespeitar a imagem do nosso ente querido. Trata-se de aceitar. Aceitar que, embora se trate da maior dor do mundo, fingir que o falecido era perfeito, não faz com que a saudade seja menor – talvez até aumente. Aceitar aquela pessoa como um ser humano completo, cheio de características, qualidades e defeitos, que viveu e morreu. 

Temos de perdoar… – à segunda vez, já não custa tanto! – Temos-de-perdoar os nossos mortos… Porque o perdão é uma forma de amor e essa, também, uma bela homenagem.

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Texto en Español
- Tenemos que perdonar a nuestros muertos. – Yo logré decir esto?! ¡Uf!
Hay frases que tardan años en ser dichas - el largo proceso de lamerse las heridas - porque, parece ser que hay silabas y palabras indescifrables. Las frases "difíciles" realizan una travesía del desierto en busca de la libertad y al llegar a la boca, a menudo, estan estrapeadas. Salen en trozos pequeños y se envuelven en lágrimas, sus fieles compañeros de viaje.
Cuando alguien cercano muere, viene inmediatamente un intento colectivo para suavizar el dolor de los que quedan. Este intento pasa por varios procedimientos:
... Un tema de evitar el dolor "no sabía qué decir, así que no toque en el assunto”;
... Un eufemismo en las palabras... "se fuE/ ya no está entre nosotros," "porque, de hecho, ninguno de los nuestros muere, eso parecería mal! Morir es demasiado crudo, al paso que «se fue» tiene un tono más lírico, "se fue para el outro lado!";
... Una exaltación de las cualidades de la persona muerta 'Era tan buena persona! "
... Una amnesia casi instantánea de los defectos "tenía un caracter fuerte”
El muerto se convierte en santo, va directamente al altar de los vivos - los íntimos, los amigos, conocidos, los conocidos de los conocidos - y todos se inclinan. Con la proliferación de las redes sociales, ese fenómeno se hizo mas evidente: un famoso muere y el facebook es inundado de RIPs, a menudo sin saber quién fue ese ser humano -  y poner un «me gusta» a la criatura que nos dejó!
La humanidad ha progresado tanto ... Sin embargo, cuando se trata del duelo, sigue igual. Ni hablar de lo que está más allá de la vida, pero la verdadera confrontación con lo que de más seguro tenemos desde que nacemos: la muerte. No se habla de lo que duele, y mucho menos mal de la persona que há sucumbido porque "haya paz en su alma" - no van nuestras palabras duras, molestar a su descanso eterno. Y su vida – corta o larga, buena o mala - se reduce a una contemplación de los muertos. "Se han ido y están allá arriba para protegernos!" - independientemente de lo que hicieron o no vida.

Se fue, pero no se borrará  su vida y lo que hizó acá. Se fue, pero lo estraño. Pero se echa de menos  a alguien completo, no en pedazos. Con mal genio, defectos, cosas no resueltas, o mal humor al despertar. Con manías, impaciencias y momentos de desacuerdo. No dejo  de amar a mi muerto, simplemente porque digo en voz alta que há cometido errores, o no se portó bien conmigo en una situación. Esto no es para hablar del lado negativo de las cosas - porque creo que lo positivo es que la gente debe seguir adelante. No es una falta de respeto a la imagen de nuestro ser querido. Es aceptar. Aceptando que, aunque siendo el mayor dolor del mundo, pensar que el fallecido era perfecto, no hace estrañarlo menos – quizás, más. Aceptar a esa persona como un ser humano completo, llena de características, cualidades y defectos, que vivió y murió.

Tenemos que perdonar ... - a la segunda vez, ya no cuesta tanto! – tenemos de -perdonar a nuestros muertos... porque el perdón es una forma de amor y esto también es un hermoso homenaje.

Comentários

  1. Lindo pensamento minha querida amiga! Só se consegue ter este pensamento com alguma maturidade, não é fácil atingir tal visão e sentimento! Devíamos tê-lo quando os mortos ainda não estivessem mortos...mas a vida é mesmo assim...temos de viver e aprender e, por vezes, não aprendemos logo á primeira! Faço tuas minhas palavras e acrescento, é importante todo o tempo que gastamos na nossa luta mental/emocional, quando finalmente atingimos esta etapa, conseguimos olhar o mundo com outros olhos e dar importância ao que realmente importa; os simples acontecimentos do nosso dia-á-dia, com o que gostamos e com os que gostamos!
    Fiquei muito mais rica e feliz desde que te conheci :)
    Beijinhos e continua!
    Sabrina Mouta

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  2. muito obrigada, fiquei muito sensbilizada com o teu comentário. chegar a esta reflexão a mim demorou anos... e creio que ainda me falta percorrer caminho nesta «luta». Um abraço!

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