Será que vai ficar tudo bem?!


Confesso que a proliferação de mensagens em modo arco íris, no início desta pandemia, me causou alguma urticária. Não por desconfiar da boa fé das pessoas e sei que é importante o espírito otimista para superarmos esta crise. Como pessoa positiva que sou, continuo a pensar que para a frente é o caminho. No entanto, e não querendo fazer deste, um texto pessimista - porque não está no cerne da minha escrita fazê-lo - parece-me pertinente refletir sobre o tal “vai ficar tudo bem.” 

Ontem fui às compras - tentamos, aqui em casa, evitar as grandes superfícies e escolher, sempre que possível, os pequenos negócios, locais. Na porta de um talho numa zona “boa” da cidade que habito estava uma senhora, jovem, bastante jovem, com um cartaz a dizer que pedia ajuda para os seus 4 filhos, dinheiro ou alimentos. Durante o tempo que permaneci na rua, observei tantas pessoas que ali passaram, mas nenhuma delas se chegou à frente, nem sequer olharam para ela. 


Autoria: Dario Castillejos em miniyo.tumblr.com
A tentativa de regresso a alguma normalidade tem-me, também, mostrado alguns exemplos, infelizes, de que não vai ficar tudo bem. Não é propriamente a inquietação com o vírus - esse está aí para durar e obviamente tenho consciência dos comportamentos que devemos adotar enquanto comunidade. O que me preocupa, aliás, sempre me preocupou, são as promessas de “vamos, agora, pintar o mundo perfeito depois de passarmos por isto". A humanidade tinha de acordar, mas não acordou… 

O universo cor-de-rosa de que as mensagens falavam não existe, nem sequer nas nossas cabeças. O que andou a circular por aí - e nisso as redes sociais são um campo fértil - é que, magicamente, vamos todos dar as mãos (ao longe, pelo distanciamento social, obviamente) e encontrar um planeta novinho em folha. 

Mas não é nada assim. Continuamos a querer olhar para o nosso umbigo, embrulhar-nos em lutas de galo “se ele tem, eu também quero!” e coisas do estilo. Mesquinharias em todos os contextos e as nossas crianças assistem a isto tudo, achando que são estes os valores essenciais – o preço a pagar é que amanhã serão elas a comandar o mundo, cada vez mais desigual. 

Pois… não vai ficar tudo bem porque muitos de nós já não estavam bem, muito longe disso! Alguns dos que proclamam “vai ficar tudo bem” são, em certos casos, os que menos sofreram neste período, e talvez os que mais acumularam queixumes no seu sofá confortável - sem olhar ao lado para ver se o vizinho precisa de ajuda. Não tem de ser dinheiro ou comida, pode ser uma palavra, um olhar. Mostrar que sabemos que ele está ali. 

Se têm a sorte de habitarem num local em que os vossos vizinhos não precisam de ajuda, vejam Televisão. Mas não daquelas reportagens de caca que só temos de engolir sem mastigar. Não… convém digerir algumas notícias de locais do mundo em que as pessoas não podem sequer pensar em vírus porque não têm água, nem comida. E para essas, quando é que vai ficar tudo bem? As pessoas que vivem precariamente, será que algum dia vão ficar bem? 

Continuo uma sonhadora, tal como dizia o John Lennon, “I am a dreamer, but I am not the only one”. Acredito, do fundo do coração, que podemos todos fazer alguma coisa para mudar este mundo. Talvez não vá ficar tudo bem, de um momento para outro - na realidade, vamos passar por maus bocados. Mas se eu fizer um pouquinho aqui e tu um pouco aí, pode fazer a diferença. 

A começar por sermos mais tolerantes e gratos pelo que já temos - que é tanto. Perder um bocadinho de tempo e olhar o outro, de verdade. Termino com este maravilhoso excerto de um conto de Mia Couto, no contexto de uma tempestade trágica em Moçambique, há 20 anos: 

“Um velho chamado Josias é levado pela inundação de um rio. Quando o vêm salvar, ele recusa entrar no barco. E pergunta: vão me salvar da morte? E depois quem me irá salvar da vida?!”
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Texto en Español


¿Todo volverá a estar bien? 

Confieso que la proliferación de mensajes de arcoíris al comienzo de esta pandemia siempre me ha causado una cierta confusión. No porque sospeche de la buena fe de la gente que un espíritu optimista es importante para superar esta crisis. Como persona positiva, sigo pensando que el camino es para adelante. Sin embargo, y al no querer hacer de este un texto pesimista, porque no está en el centro de mi escritura hacerlo, parece pertinente reflexionar sobre “todo volverá a estar bien ".

Ayer fui a comprar, intentamos, acá en casa, evitar grandes tiendas y elegir, siempre que sea posible, pequeñas tiendas. En la puerta de una carnicería en una buena zona de la ciudad en la que vivo había una joven, bastante joven con un cartel que decía que pedía ayuda para sus 4 hijos, dinero o comida. Durante el tiempo que permanecí en el lugar, observé a tantas personas que observé tantas personas que por allí pasaron, pero ninguna de ellas se acercó, ni siquiera la miraron. 

El intento de volver a la normalidad también me ha demostrado algunos ejemplos desafortunados de todo no volverá a estar bien. No es exactamente la preocupación por el virus: está ahí para durar y obviamente soy consciente de los comportamientos que debemos adoptar como comunidad. Lo que me preocupa, por cierto y siempre me ha preocupado, son las promesas "vamos a pintar el mundo perfecto después de que todo pase". La humanidad tuvo que despertar, pero no despertó ... 

El universo rosado del que hablaban los mensajes no existe, ni siquiera en nuestras cabezas. Lo que ha estado circulando, y en que las redes sociales son un campo fértil, es que, mágicamente, todos nos tomaremos de la mano (en la distancia, debido a la distancia social, obviamente) y encontraremos un planeta completamente nuevo. 

Pero no es nada de eso. Todavía queremos mirar nuestro ombligo, envolvernos en peleas de gallos "si él lo tiene, ¡yo también lo quiero!" y cosas así. La avaricia en todos los contextos y nuestros niños ven todo esto, pensando que estos son los valores esenciales: el precio a pagar es que mañana estarán a cargo de un mundo cada vez más desigual. 

Bueno ... ¡pero no estará bien porque a muchos de nosotros ya no nos iba bien, lejos de eso! Algunos de los que proclaman "todo irá bien" son, en ciertos casos, los que menos sufrieron durante este período, y quizá los que acumularon más quejas en su cómodo sofá, sin mirar a un costado para ver si el vecino necesita ayuda. No tiene que ser dinero o comida, puede ser una palabra, una mirada. Demonstrar que sabemos que él está allí. 

Si tienes la suerte de vivir en un lugar donde sus vecinos no necesitan ayuda, mirá la televisión. Pero no esas historias de caca que solo tenemos que tragar sin masticar. No ... es bueno digerir algunas noticias en lugares del mundo donde las personas ni siquiera pueden pensar en los virus porque no tienen agua ni alimentos. Y para esas personas ¿cuándo estará todo bien? Las personas que viven precariamente, ¿alguna vez estarán bien? 

Sigo siendo una soñadora como dijo John Lennon, "Soy un soñador, pero no soy el único". Creo, desde el fondo de mi corazón, que todos podemos hacer algo para cambiar este mundo. Tal vez no va a estar todo bien, de un momento a otro; en realidad, vamos a pasar un mal momento. Pero si hago un poquito aquí y tú haces un poquito allá, puede hacer la diferencia. 

Comenzando por ser más tolerantes y agradecidos por lo que ya tenemos, que es mucho. Perder un poco de tiempo y mirarse el uno al otro, de verdad. Termino con este maravilloso extracto de una historia corta de Mia Couto en el contexto de una tormenta trágica en Mozambique, hace 20 años: 

“Un anciano llamado Josias se deja llevar por la inundación de un río. Cuando vienen a salvarlo, se niega a subir al bote. Y él pregunta: ¿me van a salvar de la muerte? ¿Y entonces quiénes me salvarán de la vida? 


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