Somos também os nossos antepassados


Quiçá, um dia, escreva um livro de memórias sobre a família Barrios. Segundo os meus tios, as histórias são tantas que daria para vários volumes -  daqueles grossos que ninguém lê, mas que fazem boa figura numa estante. Tenho ideia de que todas as famílias são um pouco assim…quando decidimos vasculhar um pouco mais, descobrimos uns quantos tesourinhos - alguns absolutamente deprimentes. Como diz uma das pessoas que mais me inspira – a escritora Isabel Allende: - “para quê ficcionar, se as nossas teias familiares transbordam drama?!” Basta olhar com atenção e querer conhecer as histórias. E a mim fascinam-me as histórias, todas elas.

Há quem não goste de olhar para o passado, quem prefira nem saber o que sucedeu antes de si: “- Para quê? Isso já lá vai!” - retorquem os pragmáticos e mais voltados para o futuro. Para a frente é o caminho, sem dúvida, mas, pergunto eu: “Para que servirá a memória, se não tiver algum tipo de utilidade no desenho do presente de cada um de nós?”

Eu sempre quis conhecer as minhas raízes, talvez por me terem sido amputadas cedo demais - quem é filho de emigrantes, sabe do que falo. Conhecer a minha história é também ter interesse pelos que vieram antes de mim. Compreendê-los (e perdoá-los) ajuda-nos a viver melhor com a nossa própria existência. O que fica em nós dos antepassados? Dos que não tivemos oportunidade de conhecer ou conviver? As suas dores, as suas vitórias, o que projetaram no nosso percurso, anos e anos mais tarde?

Há uma energia que circula de geração em geração através de traços físicos, tiques ou manias, gostos e maneiras de olhar. O mundo vai girando e cada um continua em rotação. Mas será que esse movimento é completamente solitário ou envolve a essência de quem viveu num tempo anterior a este?

Hoje é o dia de aniversário da minha avó materna - se fosse viva, faria 101 anos. Não posso dizer que sinto saudades dela, pois não tive quase contacto com a sua pessoa. Aliás, não sei o que é crescer com avós, pois a convivência com todos eles foi bastante reduzida. Apesar da inexistência de uma relação, permanece, na minha mente, uma grande curiosidade sobre as suas biografias.

Acredito que dentro de mim viva um pedacinho dos avós Anastacia e Leonidas - pais da minha mãe e dos meus 12 tios. Com os todos seus defeitos e dificuldades, as suas amarguras e vicissitudes, demonstraram uma enorme força de viver. Presto-lhes, hoje, uma homenagem - com humildade e paz no coração.

Porque somos também os nossos antepassados.

 

“Quando se gosta da vida, gosta-se do passado,

porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana.”

(Marguerite Yourcenar)

Texto en Español

También somos nuestros antepasados

Quizás, algún día, escriba una libro de memorias sobre la familia Barrios. Según mis tíos, hay tantas historias que podrían insertarse en varios volúmenes – esos gruesos que nadie lee, pero que quedan bien en una estantería. Tengo la idea de que todas las familias son un poco así ... cuando decidimos investigar un poco más, encontramos algunos pequeños tesoros, algunos francamente deprimentes. Como dice una de las personas que más me inspira, la escritora Isabel Allende: - “¡¿Para que la ficción, si nuestras redes familiares se desbordan de drama?!”. Basta mirar con atención y querer conocer las historias. Y las historias a mi me fascinan, todas ellas.

Hay quienes no les gusta mirar el pasado, prefieren ni siquiera saber qué pasó antes que ellos: “- ¿Para qué? ¡Ya está! " – replican los pragmáticos y con visión de futuro. Hacia adelante es el camino, sin duda, pero yo pregunto: "¿De qué nos servirá la memoria si no tuviera algúna utilidad en el diseño del presente de cada uno de nosotros?"

Siempre quise conocer mis raíces, tal vez porque me las amputaron demasiado pronto -  si eres hijo de emigrantes, sabes de lo que estoy hablando. Conocer mi historia es también interesarme por los que me precedieron. Comprenderlos (y perdonarlos) nos ayuda a vivir mejor con nuestra propia existencia. ¿Qué nos queda de los antepasados? ¿De los que no tuvimos la oportunidad de conocer o con los que no tuvimos la oportunidad de convivir? Sus dolores, sus victorias, ¿qué proyectaron en nuestro camino, años y años después?

Hay una energía que circula de generación en generación a través de rasgos físicos, gestos, gustos y formas de mirar. El mundo sigue girando y cada uno de nosotros hace camino. ¿Pero sera que ese movimiento es completamente solitario o involucra la esencia de quienes vivieron antes?

Hoy es el cumpleaños de mi abuela materna; si estuviera viva, tendría 101 años. No puedo decir que la extraño, ya que casi no tuve contacto con su persona. Por cierto, no sé cómo es crecer con abuelos, ya tuve un contacto muy limitado. A pesar de la inexistencia de una relación, me queda una gran curiosidad por sus biografías.

Creo que dentro de mí vive un pedacito de mis abuelos Anastacia y Leonidas, padres de mi mamá y de mis 12 tíos. Con todas sus faltas y dificultades, sus amarguras y vicisitudes, pero con una enorme ganas de vivir. Les rindo homenaje hoy, con humildad y paz en el corazón.

Porque también somos nuestros antepasados.

"Cuando te gusta la vida, te gusta el pasado,

porque es el presente que ha sobrevivido en la memoria humana ”.

(Marguerite Yourcenar)


Comentários

Mensagens populares