É saudável morrer

 

É tempo de Outono e dos retratos de múltiplas cores que se vão definindo, lentamente. Gosto de observar como as árvores se vão transformando, dia após dia. Nesta estação do ano, a Natureza ensina-nos a lição da morte e do recolhimento.

Tenho ideia de que a nossa máquina se vai afinando em função do tempo e das experiências. As viagens internas contorcem as nossas vértebras, moldam o nosso andar… E, nesse percurso, inevitavelmente, vamos deixando cair camadas, vamos deixando morrer algumas coisas em nós – como a cobra que faz a mudança de pele a cada etapa do seu crescimento.

Acredito que vamos morrendo todos os dias e não exclusivamente na hora da morte. O minuto seguinte é completamente diferente do anterior e o que somos agora também se revela distinto do que era ontem. Desde o nosso nascimento, estamos imersos numa caminhada de vida e de morte. Não há como separá-las, apesar de nós, humanos, o tentarmos a todo o custo. Passamos grande parte da vida fingindo que a morte não existe, mesmo quando ela se cruza dianteira no nosso trilho, mas rapidamente metemos a consciência debaixo do tapete: - “Isso é com os outros!”


Quando falo de morte neste contexto não me refiro, somente, ao falecimento de alguém. A morte faz parte da vida, na minha opinião, uma vez que tudo começa e acaba, nada é permanente no Universo. Ora, para que novos eventos emerjam é necessário que outros deixem de existir, ou pelo menos, mudem de formato.

É saudável deixarmos morrer as coisas que nos paralisam, as crenças e os bloqueios que nos impedem de voar; os padrões de comportamento que, outrora, nos permitiram sobreviver, mas que, depois da tempestade, perderam o significado. É urgente eutanasiar o que já não nos serve e as ruminações que teimamos em alimentar.

Voltemos, então, à sabedoria da época outonal que nos apela ao desapego, ao luto e à transformação. Precisamos de morrer para que possamos ressuscitar mais fortes e, com isso, viver, intensa e essencialmente, o nosso destino.



"Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza."
(Carlos Drummond de Andrade)

Texto en Español

Es saludable morir

Es tiempo de otoño y de los retratos de múltiples colores que se van definiendo, lentamente. Me encanta observar como los árboles se van transformando, día tras día. En esta estación del año, la Naturaleza nos enseña la lección de la muerte y del recogimiento.

Tengo idea de que nuestra máquina se va afinando en función del tiempo y de las experiencias. Los viajes internos retuercen nuestras vértebras, moldean nuestro andar... Y, en ese recorrido, inevitablemente, vamos dejando caer capas, vamos dejando morir algunas cosas en nosotros - como la serpiente que hace el cambio de piel a cada etapa de su crecimiento.

Creo que vamos muriendo todos los días - el minuto siguiente es completamente diferente del anterior y lo que somos ahora también se revela distinto de lo que era ayer. Desde nuestro nacimiento, estamos inmersos en una caminata de vida y de muerte. No hay forma de separarlas, aunque los humanos lo intentemos. Pasamos gran parte de la vida fingiendo que la muerte no existe, incluso cuando se cruza de frente en nuestro camino, pero rápidamente ponemos la conciencia bajo la alfombra: "¡Eso es cosa de los demás!"

Cuando hablo de muerte en este contexto no me refiero solamente al fallecimiento de alguien. La muerte hace parte de la vida, en mi opinión, en la medida en que todo comienza y termina, nada es permanente en el Universo. Ahora bien, para que surjan nuevos acontecimientos es necesario que otros dejen de existir, o al menos cambien de formato.

Es saludable dejar morir las cosas que nos paralizan, las creencias y los bloqueos que nos impiden de volar; los patrones de comportamiento que una vez nos permitieron sobrevivir, pero que después de la tormenta perdieron su significado. Es urgente dejar morir lo que ya no nos sirve y las rumiaciones que nos empeñamos en alimentar.

Volvamos, entonces, a la sabiduría de la época otoñal que nos apela al desapego, al duelo y a la transformación. Necesitamos morir para que podamos resucitar más fuertes y con eso vivir, intensa y esencialmente, nuestro destino.

"El otoño es más estación del alma que de la naturaleza."
                                                                                                 (Carlos Drummond de Andrade)

Comentários

Mensagens populares