A língua portuguesa passou a ser a minha pátria

Hoje comemora-se o dia da Língua Portuguesa. Talvez não tenha importância para muitos de vós, mas para mim tem um saborzinho especial.

Conheci a língua portuguesa quando tinha 6 anos - acabadinhos de fazer. Não foi a minha primeira língua de socialização, já que o meu local de nascimento (Argentina) ditou que as primeiras palavras que tivesse ouvido (e pronunciado) fossem em espanhol. Tenho um apreço particular pelo sotaque portenho (Buenos Aires), o qual, infelizmente, fui perdendo ao longo dos anos.


Voltando à língua portuguesa… consigo lembrar-me das bocas pelas que ouvi, primeiramente, falar em português. Tínhamos aterrado no Porto e à espera estava o nosso pai - de quem nos tínhamos separado 8 meses antes. No aeroporto, além do meu pai, estava um casal de amigos portugueses com a sua filha, uma menina exatamente da minha idade. Fiquei muito feliz por fazer a primeira amiga portuguesa, de modo oficial. Parece que me estou a ver a prestar toda a atenção do mundo à maneira como ela falava, eu sentia que tinha de me esforçar para podermos brincar juntas - o mais interessante é que depressa as crianças arranjam mil maneiras de se entenderem (ou desentenderem), independente de dominarem o mesmo idioma.

A nossa memória é tão engraçada… lembro-me até hoje de todas as palavras conhecidas como “falsos amigos” que percebi que não podiam ser empregues em português, embora em espanhol fossem completamente inofensivas. Como sou bem-educada, não vou aqui nomeá-las, pois daria uma bela risota, em tom jocoso. Aprendi a lição à custa de algum “bullying” - o que na minha altura nem se sabia bem o que era. Éramos todos gozados uns pelos outros - uns mais do que outros - mas acontecia e lá íamos sobrevivendo. No meu caso, ter nascido noutro pais não constituiu um fator de discriminação, pelo menos eu não tive noção disso. Muito pelo contrário, em algumas situações até funcionava como um elemento “especial”, sobretudo quando os meus colegas conheciam o meu pai e ficavam deliciados com a sua maneira de falar - recordo-me do orgulho que sentia quando dizia que éramos argentinos.

Depressa aprendi o português e ele entranhou-se de tal maneira em mim que, rapidamente, comecei a pensar e a sonhar neste idioma - não sei onde ouvi que quando começamos a sonhar num idioma é sinal que já o adquirimos. Como se sabe, as crianças são esponjas e a absorção foi tão imediata que quase não me lembro do processo de transição do espanhol para português. Tive sorte porque aprendi a ler e a escrever em português, tendo começado a escola primaria um mês depois de chegar a Portugal.

Desde esses primeiros contactos com a língua, não me esqueço da curiosidade que sentia pelas palavras e pela sua combinação poética. Estabelecemos uma relação de proximidade, eu e a língua portuguesa, de uma presença constante e de muito afeto. Esta língua, que me acolheu na infância, fez-me apaixonar por ela, arrebatadamente, até hoje. E parece que nada é por acaso, os caminhos do nosso percurso se vão moldando de maneira sincrónica: o português como língua não materna é um assunto basilar da minha investigação de doutoramento, tema que escolhi, também, em homenagem a quem eu sou.

Sou filha de emigrantes que falaram sempre espanhol em casa. A certa altura, deixou de ser um espanhol puro e começou a ser um portunhol, inventado por eles. Eu e a minha irmã, falámos sempre em português, dentro e fora casa. Parece um bocadinho esquizofrénico este cenário, pois nós falávamos em português e os nossos pais respondiam em espanhol. Tanto eles como nós entendemos os dois idiomas, mas escolhíamos falar somente num deles. Até hoje, no meu caso é assim (no caso da minha irmã, já passou a usar mais o espanhol nas interações com o meu pai).

Como os nossos pais não tinham adquirido formalmente o português, havia, em muitas situações, alguma dificuldade no entendimento por parte das outras pessoas. Foi assim que comecei a desempenhar o papel de “tradutora” - uma espécie de Google Tradutor dos anos 80/90. Também me lembro de ter escrever tantas cartas para organismos públicos, a pedido do meu pai -  aquelas burocracias que tinham de ser redigidas em português correto para terem alguma credibilidade. A minha mente habituou-se, desde tenra idade, a interpretar a minha família em espanhol e a traduzir, automaticamente, para português para o resto do mundo - é como se eu incorporasse o modo legendas em determinadas alturas.

A tudo isto, somo a minha paixão pela escrita que só me faz sentido nesta língua que passou a ser a minha pátria, tal como dizia Fernando Pessoa.

Feliz dia desta língua que é linda!

“A minha pátria é a língua portuguesa”

(Fernando Pessoa)

Texto em Espanhol



“El portugués se convirtió en mi pátria”



"Desde mi lengua puedes ver el mar.

Su rumor se puede escuchar, como el de otros, el sonido del bosque o el silencio del desierto.

Por eso la voz del mar era la que nos preocupaba ”.

(Vergílio Ferreira).



Hoy es el día de la lengua portuguesa. Puede que a muchos de nosotros no nos importe, pero para mí tiene un sabor especial.

Conocí el idioma portugués cuando tenía 6 años, recién cumplidos. No fue mi primer idioma de socialización, ya que mi lugar de nacimiento (Argentina) dictaba que las primeras palabras que había escuchado (y pronunciado) fueran en español. Tengo un aprecio particular por el acento porteño (Buenos Aires), que, lamentablemente, lo he perdido, a lo largo de los años.

Volviendo al idioma portugués ... puedo recordar primeramente las bocas de las que escuché hablar en portugués. Aterrizamos en Oporto y nos esperaba nuestro papá, de quien nos habíamos separado hace 8 meses, porque había venido antes. En el aeropuerto, además de mi papá, había una pareja de amigos portugueses con su hija, una niña exactamente de mi edad. Estaba muy feliz de tener mi primer amiga portuguesa, oficialmente. Parece que me veo prestando toda la atención del mundo a su forma de hablar, sentí que tenía que hacer un esfuerzo para poder jugar juntas - lo más interesante es que los niños rápidamente encuentran mil formas de entenderse, independientemente de dominar el mismo idioma.

Aún recuerdo todas las palabras conocidas como "falsos amigos" y me di cuenta de que no se podían usar en portugués, aunque en español eran completamente inofensivas. Como soy bien educada, no las nombraré aquí, ya que soltaría una simpática risa, en un tono juguetón. Aprendí mi lección con mis compañeros cargándome, en ese momento ni siquiera sabía lo que era bullying, como hoy en día se habla.

En mi caso, nacer en otro país nunca fue un factor de discriminación, al menos yo no lo sentí. Por el contrario, en algunas situaciones incluso funcionó como un elemento “especial”, sobre todo cuando mis compañeros conocían a mi papa y estaban encantados con su forma de hablar; recuerdo el orgullo que sentía cuando decía que era argentino.

Aprendí portugués rápidamente y se arraigó tan profundamente en mí que pronto comencé a pensar y a soñar en este idioma; no sé dónde escuché que cuando comenzamos a soñar en un idioma es una señal de que ya lo hemos adquirido. Como se sabe, los niños son esponjas y la absorción fue tan inmediata que apenas recuerdo el proceso de transición del español al portugués. Tuve suerte porque aprendí a leer y escribir en portugués, habiendo comenzado la escuela primaria un mes después de llegar a Portugal.

Desde aquellos primeros contactos con el lenguaje, no he olvidado mi curiosidad por las palabras y su combinación poética. Establecimos una relación de cercanía, yo y la lengua portuguesa, de presencia constante y de gran cariño. Este lenguaje que me acogió de niña me hizo enamorarme de él, extasiado, incluso hoy.

Y parece que nada es por casualidad y los caminos de nuestro camino se van configurando de forma sincrónica: el portugués como lengua no nativa es un tema básico de mi investigación doctoral, tema que también elegí, en honor a quien soy.

Soy hija de emigrantes que siempre hablaban español en casa. En cierto momento, dejó de ser un español puro y pasó a ser un portugués, inventado por ellos. Mi hermana y yo siempre hablábamos en portugués, dentro y fuera de casa. Este escenario parece un poco esquizofrénico, ya que hablamos en portugués y nuestros padres respondían en español. Tanto ellos como nosotros entendemos ambos idiomas, pero elegimos hablar solo uno de ellos. Hasta el día de hoy, en mi caso es así (en el caso de mi hermana, ha comenzado a usar más el español en sus interacciones con nuestro padre).

Como nuestros padres no habían adquirido formalmente el portugués, hubo, en muchas situaciones, algunas dificultades para entenderlos por parte de otras personas. Así es como comencé a desempeñar el papel de "traductora", una especie de Google de los años 80 y 90.

También recuerdo haber escrito tantas cartas a organismos públicos a pedido de mi papa, esos trámites que tenían que estar escritos en portugués correcto para tener alguna credibilidad. Mi mente se acostumbró, desde muy chica, a interpretar a mi familia en español y traducirlo automáticamente al portugués para el resto del mundo. Es como si incorporase el modo de subtítulos cuando estaba en presencia de mis padres y otras personas.

A todo esto le sumo mi pasión por la escritura que solo tiene sentido para mí en este idioma que se convirtió en mi tierra natal, como solía decir Fernando Pessoa.

¡Feliz día en este hermoso idioma!


“Mi patria es la lengua portuguesa”

Fernando Pessoa


Comentários

Mensagens populares