Uma espécie de Google Tradutor humano…

Nos últimos anos, voltei-me para o estudo das tecnologias digitais usadas por pessoas que não dominam o português. Ora, qualquer um de nós já recorreu, em alguma circunstância, ao Google Tradutor, por exemplo…Dá para desenrascar quando vamos em viagens e precisamos de comunicar noutro idioma - mesmo que, em alguns casos, a tradução obtida não seja a ideal e o resultado possa desencadear situações embaraçosas…

Em converseta com a minha memória - gosto de ouvi-la atentamente, recorda-me datas marcantes, eventos de relevo ou outros sem aparente importância, pelo menos para a maioria dos mortais – tomei consciência de que a investigação que tenho andado a realizar, não se limita a um período circunscrito a um grau académico…vai muito atrás no tempo. Creio que, no meu caso, é muito mais do que um afundar em livros, teorias ou metodologias científicas – sem desmérito do seu valor.


A vida ensina-nos, se quisermos estar disponíveis para tal, que os caminhos se cruzam, a toda a hora. O nosso propósito, se for alinhado com o que de mais verdadeiro existe, encontra formas de se concretizar, articulando os contributos das várias facetas, etapas e papéis da jornada – pessoal, profissional, académica, individual, coletiva. São, como uma amiga querida costuma dizer, “as nossas várias vidas dentro desta vida”, que vão emergindo, em modo complementar de experiências.

Creio que comecei a fazer um doutoramento nesta área de estudo, por volta dos 6 anos de idade. Não, não sou nenhuma sobredotada, longe disso! Mas consigo reconhecer o início do meu interesse/vocação pelas línguas não maternas, pela educação e pelo ajudar os outros, desde uma idade bastante precoce de desenvolvimento.

Nasci na Argentina e a primeira língua que conheci foi o espanhol. Como todas as crianças são esponjas, rapidamente aprendi o português, não conseguindo, em adulta, identificar os momentos de transição de uma língua para outra. Segundo a minha memória, num dia falava somente em espanhol e, no dia seguinte, o discurso fluía em língua portuguesa. O português passou a ser a minha língua dominante, uma verdadeira paixão. Queria conhecer todas as palavras, o modo de as casar para que soassem melhor nos ouvidos dos outros. Uma certa alquimia que, até hoje, me fascina e o seu encaixe para rotular o que sinto é, de certo modo, a minha forma de me ligar ao mundo.

Como a minha família nunca chegou a ser proficiente em português, eu passei, de imediato, a ser uma espécie de Google Tradutor dos anos 80/90. Os meus pais, ambos muito inteligentes, perspicazes e dinâmicos, recorriam ao meu conhecimento linguístico para traduzir todo o tipo de burocracia, tarefas ou comunicação com o mundo exterior. Lá ia eu, sentindo os olhares dos adultos, de cima para baixo, que me davam a palavra para eu “traduzir”. Recordo essa época com alegria porque eu adorava ajudar e rapidamente me habituei a falar em público, defendendo-me nos diferentes contextos relacionados com os organismos públicos – tantas vezes, chatos e complicados!

A minha mãe era uma pessoa muito esforçada e empenhada em aprender, fosse o que fosse. Tenho a certeza de que, se ela fosse viva atualmente, seria uma hábil consumidora das tecnologias digitais, sem sombra de dúvida! Quanto à língua portuguesa, ela costumava sentar-se ao meu lado enquanto eu fazia os deveres de casa, e pedia-me para eu lhe explicar algumas palavras ou expressões. Permanece na minha mente, o brilho no seu olhar quando folheava o livro de português, tentando ler em voz alta, esperando a minha validação para melhorar a sua pronúncia.

O meu pai não era tão dedicado à aprendizagem de português língua não materna. O que ele sabia permitiu-lhe viver bem durante 25 anos em Portugal. No seu discurso mantêm-se algumas expressões portuguesas e, agora na Argentina, também não o entendem (o chamado karma dos emigrantes)...por exemplo, quando ele diz “comboio” em vez de “tren”. A sua maneira de falar portunhol tornou-se uma imagem de marca e, em miúda, todos os nossos amiguinhos queriam ouvir falar “o pai da Celeste e da Daniela”, como se de um fenómeno sobrenatural se tratasse. Acho que passou a fazer parte do seu charme natural…

Lembro-me também que, no meio das tais traduções, aconteciam situações hilariantes! Havia pessoas que faziam um esforço sobrehumano para falar espanhol – não levando a sério quando eu lhes dizia que, tanto o meu pai como a minha mãe, entendiam absolutamente TUDO em português, ainda que a sua produção oral deixasse muito a desejar, sobretudo ao nível da pronúncia. Aquela gente fazia ouvidos de mercador e começava a espanholar, de uma maneira completamente surreal - e era um conter dos ataques de riso, entre mim e os meus pais - os nossos olhares cúmplices que jamais esquecerei.

Penso que há alguma tendência para os nativos de um país menosprezarem os emigrantes. Acredito que não seja por efetiva maldade, mas nota-se um certo tom de superioridade, como se os estrangeiros fossem “burros” porque não dominam o mesmo código linguístico. Da minha experiência, a maioria dos emigrantes são pessoas com uma enorme capacidade de adaptação, resiliência e inteligência a vários níveis - não é nada fácil viver longe da família, não conseguindo expressar, verbalmente, o que se necessita.

Por todos estes relatos que a memória me oferece, sinto-me muito orgulhosa por conseguir ligar os pontinhos da minha vida, que me fazem ser quem sou hoje. Posso, assim, homenagear as minhas origens e, de algum modo, todos os que, para quem a língua representa uma pedra no caminho e que, com bravura, superam obstáculos geográficos, culturais e sociais, pelo mundo fora. E os meus pais, evidentemente, uns desses corajosos que tanto me inspiram.

“A língua materna é como um amor antigo, precisamos de pensar na sua ausência para que o coração estremeça”

(Lídia Jorge, "Todas as palavras que hão de vir")


Google Tradutor humano

En los últimos años, me he volcado al estudio de las tecnologías digitales utilizadas por personas que no hablan portugués. Bueno, cualquiera de nosotros ya ha recurrido a Google Translator en algunas circunstancias, por ejemplo ... Es util cuando salimos de viaje y necesitamos comunicarnos en otro idioma, incluso si, en algunos casos, la traducción obtenida no es ideal y el resultado puede desencadenar situaciones cómicas ...

Charlando con mi memoria - me gusta escucharla con atención, me recuerda fechas importantes, hechos importantes u otros sin importancia aparente, al menos para la mayoría de los mortales - me di cuenta de que la investigación que he estado realizando, no se limita a un período limitado a un grado académico ... se remonta a mucho tiempo atrás. Creo que, en mi caso, es mucho más que sumergirse en libros, teorías o metodologías científicas, sin menosprezar su valor.

La vida nos enseña, si queremos estar disponibles para ella, que los caminos se cruzan, todo el tiempo. Nuestro propósito, si está alineado con lo más verdadero en nosotros, encuentra formas de materializarse, articulando los aportes de las diversas facetas, etapas y roles del viaje: personal, profesional, académico, individual, colectivo. Son, como decía una querida amiga, “nuestras diversas vidas en esta vida”, que están emergiendo, de forma complementaria de experiencias.

Creo que comencé a hacer un doctorado en esta área de estudio alrededor de los 6 años de edad. No, no soy super dotada, ¡ ni mucho menos! Pero puedo reconocer el comienzo de mi interés / vocación en lenguas no nativas, en la educación y en ayudar a los demás, desde una edad muy temprana de desarrollo.

Nací en Argentina y el primer idioma que conocí fue el español. Como todos los niños son esponjas, aprendí portugués rápidamente, no logrando, en adulta, identificar los momentos de transición de un idioma a otro. Según mi memoria, un dia hablaba solo en español y, al día siguiente, el discurso fluía en portugués. El portugués se convirtió en mi idioma, mi pasión. Quería saber todas las palabras, la forma de cazarlas para que sonaran mejor en los oídos de los demás. Una cierta alquimia que, hasta el día de hoy, me fascina y que encaja en etiquetar lo que siento es, en cierto modo, mi forma de conectarme con el mundo.

Como mi familia nunca dominó el portugués, de inmediato me convertí en una especie de traductor de Google de los años 80/90. Mis padres, ambos muy inteligentes, y dinámicos, utilizaron mis conocimientos lingüísticos para trasladar todo tipo de burocracia, tareas o comunicación al mundo exterior. Allí fui, sintiendo la mirada de los adultos de arriba abajo, quienes me dieron la palabra para “traducir”. Recuerdo ese momento con alegría porque me encantaba ayudar y rápidamente me acostumbré a hablar en público, defendiéndome en diferentes contextos relacionados con los organismos públicos, ¡tantas veces aburrido y complicado!

Mi madre era una persona muy trabajadora y comprometida con el aprendizaje, fuera lo que fuera. Estoy segura de que si estuviera viva hoy, sería una consumidora hábil de tecnologías digitales, ¡sin duda! En cuanto a la lengua portuguesa, solía sentarse a mi lado mientras yo hacía los deberes y me pedía que le explicara algunas palabras o expresiones. Permanece en mi mente, el brillo en la mirada que tenía cuando hojeaba un libro en portugués, tratando de leerlo en voz alta, esperando que mi validación para mejorar su pronuncia.

Mi padre no estaba tan dedicado a aprender portugués. Lo que sabía le permitió vivir bien durante 25 años en Portugal y en su discurso quedan, hasta el día de hoy, algunas expresiones que tampoco se comprenden en la Argentina (el karma de la incomprensión de los emigrantes), por ejemplo, cuando dice “ comboio ”en lugar de“ tren ”. Su forma de hablar “Portuñol” se convirtió en una imagen de marca y, de niña, todos nuestros amiguitos querían escuchar “el papa de Celeste y de Daniela” hablando, como si se tratara de un fenómeno especial. Creo que se convirtió en parte de su encanto natural ...

También recuerdo que en medio de tales traducciones, hubo situaciones divertidas! Habia gente  en Portugal que hacia un esfuerzo sobrehumano por hablar español - sin tomarlo en serio cuando yo les decia que tanto mi papa como mi mama entendían absolutamente TODO en portugués, aunque su pronuncia no fuera buena. Esa gente hacian oídos sordos y intentavam "españolar", de una manera completamente surrealista - y era una risa entre mis papas y yo, nuestras miradas cómplices que nunca olvidaré.

Creo que los nativos de un país tienen cierta tendencia a menospreciar a los emigrantes. Pienso que no es por verdadera malicia, pero hay un cierto tono de superioridad, como si los extranjeros fueran “tontos” porque no dominan el mismo código lingüístico. Según mi experiencia, la mayoría de los emigrantes son personas con una enorme capacidad de adaptación, resiliencia e inteligencia en varios niveles, no es fácil vivir lejos de la familia, sin poder expresar verbalmente lo que se necesita.

Por todos estos relatos de la memoria, me siento muy orgullosa de conectar los puntos de mi vida que me hacen ser quien soy hoy, haciendo honor a mis orígenes y, de alguna manera, a todos aquellos que, para quienes el idioma representa una piedra en el camino y superan con valentía tantos obstáculos geográficos, culturales y sociales en todo el mundo. Y mis papas, esos valientes que tanto me inspiran, siempre.

"La lengua materna es como un amor antiguo, hay que pensar en su ausencia para que el corazón tiemble"

(Lídia Jorge, "Todas las palabras por venir")

Comentários

Mensagens populares