Vicente Briozzo - Uruguaio por acidente

 

Descobri que um dos meus bisavôs era uruguaio por acidente. Se calhar, todos nós tenhamos nascido numa determinada região do planeta por um simples acaso ou acerto do destino, não é verdade? Mas há famílias, tipo a minha, em que as redes da existência se encruzilharam por travessias de mares e terras longínquas, umas quantas vezes, até hoje. Quiçá, conhecer um pouco mais destas histórias de viagens e marinheiros me ajude a compreender e aceitar melhor a minha própria jornada, herdeira de tantas distâncias geográficas.

Os meus tetra-avós eram italianos, assim reza a história – a qual escutei e misturei com uns pozinhos de imaginação, pois quem conta um conto acrescenta um ponto. Por altura da 1ª Guerra Mundial, os meus antepassados viram-se obrigados a emigrar como refugiados para o continente sul-americano, mais especificamente, para a Argentina, como sucedeu com milhares de pessoas. As gentes daquela época eram heróis a valer, quais filmes da Marvel - agora somos uns meninos mimados que nos queixamos de tudo!

Autoria da fotografia: Rui Cardoso

Ora, o casal Briozzo enfrenta uma viagem de barco de 3 ou 4 meses, com uma mão à frente e outra atrás, como se costuma dizer. O seu horizonte consistia em encontrar um país completamente novo, um idioma diferente e sem uma única alma familiar. Como se isto não fosse difícil o suficiente, a mulher, além de si própria, carregava uma criança no ventre, numa gestação avançada - naquele momento não se faziam ecografias para ver se estava tudo bem, era um bocado às apalpadelas, literalmente. A viagem não terá sido pêra doce, sem condições sanitárias, superando as agruras de um mar tempestivo por dias e noites seguidos.

Pouco antes de chegarem à terra prometida, a Argentina, a D. Rogéria, deu à luz a um menino que se veio a chamar Vicente Briozzo, o uruguaio por acidente - supostamente seria italiano ou argentino. Não sei se ele alguma vez terá conhecido a sua terra natal, pois passou toda a sua vida em Entre Rios, província argentina que faz fronteira com o Uruguai. Anos volvidos, o Vicente casou com a Ajilea Perez. Não é sabida a causa da sua morte, tendo deixado a minha bisavó viúva, bastante jovem, com uma dezena de filhos, entre eles a avó Anastacia, mãe da minha mãe e dos meus tios.

Fiquei com uma enorme curiosidade em relação a este homem que sobreviveu, no útero da sua mãe, a uma viagem duríssima, para conhecer o mundo do outro lado do charco. E acabou por esculpir, de forma inspiradora, mais uma peça no puzzle da minha vida. Como se nos conectássemos de um modo sincrónico, nesta existência completamente fora de controlo.

Despertou-me, agora, o bichinho de conhecer o Uruguai, pisar a terra que acolheu os meus ancestrais, mesmo que só de passagem. Afinal, a mais doce de todas as passagens: o nascimento.


"Quem não é um acaso na vida?"
(Clarice Lispector)

P. S - Obrigada, Tia Délia, por uma conversa maravilhosa em busca das nossas raízes!

Texto en Español

Vicente Briozzo - Uruguayo por accidente

Supe que uno de mis bisabuelos era uruguayo por acidente. Tal vez, todos nacimos en cierta región del planeta por simple casualidad o destino, ¿no es así? Pero hay familias, como la mía, en las que las redes de la existencia han atravesado mares y tierras lejanas, unas pocas veces, hasta hoy. Quizás, conocer un poco más de estas historias de viajes y marineros me ayude a comprender y aceptar mejor mi propio viaje, heredera de tantas distancias geográficas.

Mis tatarabuelos eran italianos, según cuenta la historia, que escuché y mezclé con un poco de imaginación, ¡porque quien cuenta una historia suma un punto! En la época de la 1ª Guerra Mundial, mis antepasados ​​ se vieron obligados a emigrar como refugiados al continente sudamericano, más concretamente a la Argentina, como sucedió con miles de personas. La gente de esa época eran verdaderos héroes, como las películas de Marvel - ahora somos niños mimados que se quejan de todo!

La pareja Briozzo afronta un viaje en barco de 3 o 4 meses, con una mano delante y la otra detrás, como suele decirse. Su horizonte consistía en encontrar un país completamente nuevo, un idioma distinto y sin una sola alma familiar. Por si fuera poco, la mujer, además de ella, llevaba en su vientre un niño en gestación avanzada - en ese momento no había ecografías para ver si todo estaba bien. El viaje no fue nada facil, sin condiciones sanitarias, superando las penurias de un mar tormentoso durante días y noches seguidas.

Poco antes de llegar a la tierra prometida, la Argentina, doña Rogéria, dio a luz a un niño que pasó a llamarse Vicente Briozzo, uruguayo por acidente, tendria de ser italiano o argentino. No sé si alguna vez conoció su tierra natal, ya que pasó toda su vida en Entre Ríos, provincia fronteriza con Uruguay. Años más tarde, Vicente se casó con Agilea Pérez. No se sabe la causa de su muerte, pero dejó a mi bisabuela viuda muy joven con una decena de hijos, entre ellos la abuela Anastacia, la mamá de mi mamá y de mis tios.

Tengo mucha curiosidad por este hombre que sobrevivió, en el vientre de su madre, a un viaje durisimo, para conocer el mundo al outro lado del oceano Atlantico. Y terminó inscribiendo más una pieza en el rompecabezas de mi vida. Como si nos conectáramos de manera sincrónica, en esta existencia completamente fuera de nuestro control.

Ahora me despierta la idea de conocer Uruguay, pisar la tierra que acogió a mis ancestros, aunque sea de pasada, al fin y al cabo, lo más dulce de todo, el nacimiento.


"Quien no es una casualidad en la vida?"

(Clarice Lispector)

 

P.D - ¡Gracias, Tia Délia, por una maravillosa conversación en busca de nuestras raíces!


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