Não é treta, é AMOR!
Há uma cena, no filme “Biutiful”, de Alejandro González Iñárritu (2010), que me marcou de forma profunda e à qual, regresso, mentalmente, em várias ocasiões. Trata-se do encontro, espiritual, da personagem principal com o seu pai, o qual tinha morrido muito jovem. É uma imagem carregada de emoção, mas, ao mesmo tempo, um pouco estranha, do meu ponto de vista. O protagonista, com uns 40 e tal anos de idade, é bastante mais velho, em termos físicos, do que o próprio pai, cujo retrato diz respeito à infância, altura em que ambos se viram pela última vez.
Quando penso nesta cena, indago a possibilidade de, um dia, me tornar, fisicamente, mais velha do que a minha mãe. A cada ano, essa distância diminui, estando eu mais perto da idade do seu falecimento, o que me coloca, inevitavelmente, uma questão: poderei eu vir a superar a barreira cronológica que a minha mãe não ultrapassou? Esta reflexão é sustentada na crença de que a pessoa, quando morre, carrega no botão “Pause” e, de imediato, são “congeladas” todas as componentes da sua identidade, começando com o corpo e passando pelas características da sua personalidade e a dinâmica das suas relações.
Isso sucedeu comigo, nos primeiros (e longos) anos da ausência da minha mãe. No entanto, recentemente, tenho sentido que a relação com a minha mãe tem evoluído - corro o risco de me tornar lunática aos olhos dos mais conservadores, mas sei do que falo. Acredito que é possível transformarmo-nos, enquanto pessoas, através do luto e transformarmos, também, com a passagem do tempo, a perspectiva que temos da pessoa que morreu – e com isso a nossa relação.
Claro que para tal é preciso coragem para acolher a dor de frente, sem lhe querer fugir, por meio dos planos e das ações da vida. Há avanços e recuos - que parecem intermináveis – e, às vezes, andamos aos rodopios, sentindo-nos perdidos, abandonados e não merecedores. Depois lá vem a revolta e alguma zanga, pois também faz parte do processo. A aceitação assoma-se, devagarinho, abrindo espaço e criando sentido, um passo de cada vez.
Hoje sinto a presença da minha mãe, como nunca havia sentido antes. Consigo pedir-lhe orientação e recebo as suas respostas - não é treta, é AMOR. Claro que ela se apresenta noutros formatos e é preciso afinar a lente para conseguir decifrar as mensagens subtis e ricas de significado: já não naquele corpo que eu conheci e do qual preservo umas poucas fotografias; já não naquela voz que acabei por quase me esquecer de como é; já não no cheiro típico das suas roupas que se me entranhou na alma.
Ela, agora, aparece-me de formas surpreendentes e criativas: em sonhos, textos ou trevos de 4 folhas. Só eu é que sei que não é treta, é AMOR! - e é o suficiente.
Saudades, mãe – 28 anos depois.
Texto en Español
Por supuesto, para ello se necesita el coraje de acoger el
dolor de frente, sin querer huir de él, a través de los planes y las acciones
de la vida. Hay avances y retrocesos - que permanecen sin fin - y, a veces,
caminamos en circulos, sintiéndonos perdidos, abandonados y no merecedores.
Luego viene la revuelta y el enojo, porque también es parte del proceso.
La aceptación se aplana, lentamente, abriendo espacio y creando sentido, un
paso a la vez.
Hoy siento la presencia de mi mamá, como nunca antes. Puedo pedirle orientación y recibo sus respuestas - no es una boludez, es AMOR. Por supuesto que se presenta en otros formatos y es necesario afinar la lente para poder descifrar los mensajes sutiles y ricos de significado: ya no en ese cuerpo que conocí y del cual conservo algunas fotografías; ya no en esa voz que acabé casi olvidando cómo es; ya no en el olor típico de sus ropas que se me ha envuelto en el alma.
Ella, ahora, se me aparece de formas sorprendentes y creativas: en sueños, textos o tréboles de 4 hojas. Solo yo sé que no es una boludez, es AMOR - y es suficiente.
Te extrañamos, mamá - 28 años después.
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