As ideias caminham até nós (DIÁLOGO de AUTORAS)



[Esta publicação corresponde a um diálogo de criatividade. Uma partilha entre duas autoras, Celeste Vieira e Vera Carvalho]




- As ideias caminham até nós, nem sei bem como, mas elas encontram-nos! – estas palavras são de uma amiga numa conversa a propósito de projetos e eu identifico-me totalmente com esta forma de pensar.

Inúmeras vezes, senti a comoção de assistir à chegada de uma ideia que me bate à porta, esperando que eu a receba de braços abertos. É, por isso, interessante analisar o processo criativo, pois há ideias que nos aparecem, assim, de rompante, sem se fazerem anunciar. 

Outras são mais cautelosas e vão dando sinais da sua existência ao longo do tempo, como se nos enviassem telegramas a preparar o caminho. Hoje em dia, consigo, no âmbito da escrita, reconhecer o momento em percebo que há um conceito em ebulição dentro de mim pois, no meio de outros afazeres, começo a escrever (mentalmente) frases ou expressões que quero retomar quando me sentar em frente a uma folha em branco.

É espantoso sermos inundados por ideias que se podem transformar em realidade. Há que arregaçar as mangas! Gosto pouco dos que têm mais conversa fiada do que mão na massa e, de acordo com a minha maneira de ser, é-me difícil não tentar (pelo menos!) concretizar algo a que me proponho. A noção de compromisso inicia em nós próprios, na consciência de que temos de dar espaço a uma ideia que pode parecer louca à primeira vista, mas merece o nosso acolhimento. Batalhar para que esse sonho possa, um dia, ver a luz do sol, mesmo que isso demore a suceder, não importa. O tempo é sábio e conhece o timing perfeito de cada coisa – embora nós desconfiemos que não.

Enquanto houver sonhos, há vida. As ideias e os projetos vão alimentando a nossa existência, nutrindo-se a eles próprios com a nossa garra e determinação. As relações que vamos construindo são fundamentais para que possamos sustentar as teias na busca de um futuro, vislumbrando a luz ao fundo do túnel. As ideias não acabam! Há sempre mais para sonhar e para descobrir. Aprender, lançar e criar conhecimento, arte ou beleza. A beleza do mundo que habita em nós, se deixarmos. 
“A imaginação é positivamente aparentada com o infinito.”
Charles Baudelaire

Autoria do texto 1: Celeste Vieira
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Há uma onda de magia na junção das palavras, sente-se uma borboleta no estômago, surgem bolas de cristal com pessoas e florestas e caldeirões com ratos e morcegos e gritinhos assustadores. É como se de repente uma miúda voltasse a jogar ao prego com os rapazes, escondida do pai, sempre muito severo por vê-la tão distante do papel de miúda a cuidar de bonecas, sem bonecas.

As ideias são palavras soltas ao vento, jogo com elas à apanhada, às escondidas, à macaca, não subo às árvores porque as ideias não sobem, voam, brilham, cobrem-me de energia, inundam-me de palavras desassossegadas, anda, anda sua molengona, toca a andar, é prá frente, gira que gira, rodopia, olha o baloiço a dançar com as tuas pernas ao vento.

Sim, é como se uma onda do mar nos apanhasse em flagrante delito, como se um ato de absurda incompreensão questionasse esta rotina ininteligível das nove às cinco.

As ideias zombam das normas, estados desejáveis, palavras, sentidos, conteúdos. As ideias querem estar depressivas, porque sim. As ideias também apanham fúrias, por isso sacudem, dão socos e obrigam a recomeçar.

As ideias andam por aí, Celeste. Se não as apanharmos desta vez, haverão outras ou descarregadas do éter ou dos pedaços de papel encontrados debaixo de uma mesa ou simplesmente pela escuta de um mexerico trazido pelo vento.

Autoria do texto 2: Vera Carvalho

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