Sentir-se em casa

 

-Tu casa es tu cueva!”

Nunca me esqueci desta frase proferida pelo Eduardo há uns anos, um amigo argentino que já não está entre nós. Tocou-me, especialmente, a palavra “cueva” - tradução de cova, covil, caverna – que reporta ao instinto primário de sobrevivência que a sociedade da atualidade tem tentado mitigar, convencendo-nos de que a máquina, o consumo e a artificialidade possuem um valor acrescentado.


Na altura em que tive esta conversa com o Eduardo, sentia-me muito longe de me sentir em casa. É engraçado como nós sabemos o que necessitamos no nosso íntimo, mesmo que a dado momento não o consigamos concretizar. Sempre reconheci a importância da casa/lar na minha existência, sou aquela pessoa que não se chateia nada se não tiver de sair e adoro receber visitas no meu cantinho - ou não seria eu uma típica nativa do signo Caranguejo. Contudo, a pertença a um lugar-casa já teve para mim inúmeros formatos, estatutos e latitudes geográficas, o que resultou, em alguns períodos, em vulnerabilidade e insegurança. Hoje aceito que se trata do legado de uma árvore genealógica repleta de viagens, migrações e distâncias, contemplando aventuras e gentes que tiveram de aprender a sentir-se em casa de um modo menos literal.

Creio que sentirmo-nos em casa corresponde a um conceito que vai muito além das paredes de cimento ou de uma fachada bonita. Não tem a ver com o facto de vivermos numa habitação própria, arrendada ou emprestada. Muito menos terá relação com a dimensão ou a sua avaliação imobiliária – viver num palácio não será, com certeza, garantia de felicidade.

Neste contexto, faço referência ao filme “A Flor de Buriti” (2023), o qual me impressionou pela reflexão acerca da sabedoria ancestral. Retratando a vida do povo krahô, uma tribo indígena de uma floresta brasileira, esta obra revela como aquelas pessoas vivem, de facto, em comunidade e dão outro valor à expressão sentir-se em casa, embora residam em tendas de palha e não durmam em camas e colchões confortáveis. Fiquei comovida (e inspirada!) pela forma como se organizam democraticamente, expressam as suas emoções e pedem conselhos à mãe Natureza.

Na verdade, sentir-se em casa é estarmos alinhados com a Natureza no seu todo. Agora sinto que me sinto em casa porque encontrei o lugar (dentro de mim) onde me nutro, a cada instante.

Sei que posso voltar à minha “cueva” e respirar, fundo.

“Onde quer que viva, esse é o seu templo, se o tratar como o tal.”
(Buda)


Sentirme  en casa

- "Tu casa es tu cueva!"

Nunca olvidé esta frase pronunciada por Eduardo hace unos años, un amigo argentino que ya no está entre nosotros. Me tocó, especialmente, la palabra cueva que reporta al instinto primario de supervivencia que la sociedad de hoy ha intentado mitigar, convenciéndonos de que la máquina, el consumo y la artificialidad poseen un valor añadido.

Cuando tuve esta conversación con Eduardo, me sentí muy lejos de sentirme como en casa. Es curioso como nosotros sabemos lo que necesitamos en nuestro interior, aunque en algún momento no lo logremos. Siempre he reconocido la importancia de la casa/hogar en mi existencia, soy aquella persona que no se molesta nada si no tengo que salir y me encanta recibir visitas en mi rincón - o no sería yo una típica nativa del signo Cáncer. Sin embargo, la pertenencia a un lugar-casa ya tuvo para mí innumerables formatos, estatutos y latitudes geográficas, lo que resultó, en algunos períodos, en vulnerabilidad e inseguridad. Hoy acepto que se trata del legado de un árbol genealógico repleto de viajes, migraciones y distancias, contemplando aventuras y gentes que han tenido que aprender a sentirse como en casa de un modo menos literal.

Creo que sentirse como en casa corresponde a un concepto que va mucho más allá de las paredes de cemento o de una fachada bonita. No se trata de vivir en una vivienda propia, alquilada o prestada. Mucho menos tendrá relación con la dimensión o su valoración inmobiliaria - vivir en un palacio no será, con certeza, garantía de felicidad.

En este contexto, hago referencia a la película "La flor de Buriti" (2023), que me impresionó por la reflexión sobre la sabiduría ancestral. Representando la vida del pueblo Krahô, una tribu indígena de una selva brasileña, esta obra revela cómo esas personas viven, de hecho, en comunidad y dan otro valor a la expresión "sentirse en casa" aunque residen en tiendas de paja y no duermen en camas y colchones cómodos. Estoy conmovida (e inspirada) por la forma en que se organizan democráticamente, expresan sus emociones y piden consejos a la madre Naturaleza.

De hecho, sentirse como en casa es estar alineados con la naturaleza en su conjunto. Ahora siento que me siento en casa porque encontré el lugar (dentro de mí) donde me nutro, a cada instante.

Sé que puedo volver a mi "cueva" y respirar profundo.


"Donde quiera que vivas, ese es tu templo, si lo tratas como tal."
Buda

Comentários

Mensagens populares