Tortitas fritas

 

-“Hoje está bom para tortitas fritas!” – era o que a minha mãe nos dizia, em dias chuvosos como este. No início do Outono, é típica a ocorrência de uma precipitação moderada, persistente, que envolve a paisagem, podendo-se avistar focos de condensação de água junto aos vales e umas nuvens que levitam a uma baixa altitude. Já não está tempo quente, mas ainda não se sente, propriamente, o frio. Porém, sabe bem calçar umas meias e beber um chá acabado de fazer.

Na Argentina é tradição, em dias de chuva, comer-se uma doçaria feita com ingredientes básicos - água, farinha e açúcar – e que sabe incrivelmente bem, correspondendo a uma espécie de donut achatado e crocante, frito em banha de porco ou de vaca, e pulverizado com açúcar.

Pelo que pesquisei, a associação aos dias de chuva remonta aos tempos de colonização do país, em que as mulheres juntavam a água da precipitação para adicionar ao preparado das tortitas fritas. Embora as condições logísticas tenham evoluído, a tradição manteve-se, talvez porque nas alturas de chuva se verifica uma necessidade de aconchego que só uma deliciosa iguaria consegue colmatar.

Creio que a gastronomia é um jogo de memória. Por mais sofisticada que seja uma cozinha, há sempre uma referência a algo que evoque as emoções e as raízes, o que se espelha nos testemunhos de chefs galardoados, mencionando a ligação com as receitas de família. E, nem precisamos de ir tão longe, uma vez que todos nós, sejamos mais ou menos dotados para a culinária, ou mais ou menos, apreciadores de uma boa refeição, temos memórias gastronómicas que nos convidam a viagens no tempo.

No meu caso, as tortitas fritas lembram-me a chuva, o mate e os lanches feitos pela minha mãe - também me recordo de alguns achaques de vesícula, por tamanha sofreguidão no consumo, da minha parte. Uma sensação de conforto associada ao cheiro a fritos dentro de casa e aquela ansiedade por poder provar o resultado, enquanto se esperava que as ditas arrefecessem. Constituía um verdadeiro momento de euforia, pois sentíamos as tortitas como uma espécie de compensação pelo facto de ficarmos fechados em casa, e não podermos  brincar na rua por causa da meteorologia. 

“Comer é um ato de amor” - não sei onde ouvi isto, mas ficou-me no ouvido. Existem tantos momentos em que fomos amados através de uma boa comida feita por quem nos quer bem! Os cheiros e os sabores perduram no nosso íntimo, respondendo aos estímulos que nos alimentam o corpo - mesmo quando se trata dos excessos menos saudáveis - e que nos ensinam tudo sobre a felicidade e sobre o legado de quem passou por nós.

Que belo dia para tortitas fritas 

“Gastronomia é comer olhando para o céu.”

(Millôr Fernandes)

 

Texto en Español

-"Hoy está bueno para las tortitas fritas!" - Eso es lo que mi mamá nos decía, en días lluviosos como este, de principios de otoño. Una precipitación moderada, persistente, que envuelve el paisaje, pudiendo verse focos de condensación de agua junto a los valles y unas nubes que levitan a una baja altitud. Ya no hace calor, pero aún no se siente frío. Sin embargo, sabe bien ponerse unos calcetines y tomar un té calentito.

En Argentina es tradición, en días de lluvia, comer un postre hecho con ingredientes básicos - agua, harina y azúcar - riquisimo
, correspondiendo a una especie de donut achatado y crujiente, frito con grasa de cerdo o de vaca, y pulverizado con azúcar.

Por lo que he investigado, la asociación con los días de lluvia se remonta a los tiempos de la colonia cuando las mujeres juntaban el agua de la precipitación para añadir al preparado de las tortitas fritas. Aunque las condiciones logísticas han evolucionado, la tradición se ha mantenido, tal vez porque en las alturas de lluvia se verifica una necesidad de contencion que solo un delicioso manjar puede suplir.

La gastronomía es un juego de memoria. Por más sofisticada que sea una cocina, siempre hay una referencia a algo que evoca las emociones y las raíces, lo cual se refleja en los testimonios de chefs galardonados, mencionando la conexión con las recetas familiares. Y, ni siquiera tenemos que ir tan lejos, ya que todos nosotros, seamos más o menos dotados para la cocina, o más o menos, apreciadores de una buena comida, tenemos recuerdos gastronómicos que nos invitan a viajar en el tiempo.

En mi caso, las tortitas fritas me recuerdan la lluvia, el mate y las meriendas preparadas por mi mamá - también recuerdo algunas crisis de higado, por comer demasiado. Una sensación de confort asociada al olor a fritos dentro de casa y esa ansiedad por poder probar el resultado, mientras se esperaba que las tortitas enfriaran. Era un verdadero momento de euforia, porque sentíamos las tortitas como una especie de compensación por estar encerrados en casa, y no poder jugar a la calle por el mal tiempo. 

"Comer es un acto de amor" - no sé dónde lo escuché, pero se me quedó en el oído. Hay tantos momentos en los que nos han amado a través de una buena comida hecha por quien nos quiere bien! Los olores y sabores perduran en nuestro interior, respondiendo a los estímulos que nos alimentan el cuerpo - incluso cuando se trata de los excesos menos saludables - y que nos enseñan todo sobre la felicidad y sobre el legado de quien pasó por nosotros.

"La gastronomía es comer mirando al cielo."

                                                                                                                      (Millôr Fernandes)


Comentários

Mensagens populares